sábado, 27 de agosto de 2011

Um conto sobre os Perpétuos...






Destino, Morte, Sonho, Destruição, Desejo, Delírio e Desespero...

Durante um longo tempo, busquei incessantemente por um dos sete, ela, que é temida por muitos, mas também, aclamada como uma musa pelas almas menos afortunadas como a minha, seu nome... Morte, Morte dos Perpétuos, bela, sutil, elegante, tentar descrevê-la poeticamente é infrutífero e entendê-la é insensato.

Por duas vezes eu a encontrei, estive em seus braços gélidos e confortantes, senti sua presença bem próxima a mim, mas ela se recusou a me levar até seu reino onde todas as almas encontram o descanso final para seus tormentos; e foi assim que conheci uma de suas irmãs, a que ficaria comigo no decorrer da minha "vida", ela tinha por nome Desespero.

Tudo começou com a intervenção de Desejo, há muito, muito tempo atrás, mas ela não agiu sozinha, havia um toque de Destino, o mais antigo e cruel entre os sete, e por vontade de Destino, eu nasci... Deveriam ter me matado! Me abortado! Seria menos doloroso do que esta patética existência na qual me encontro neste momento... Doce morte!

Eu sempre fui uma criança problemática, solitária e angustiada, cresci sendo julgado como um estranha por pessoas que me olhavam com desprezo, na verdade quase sempre incompreendida, uma única pessoa me compreendeu profundamente, mas ainda não é hora de falar sobre ele. Durante longos anos, Desespero foi minha fiel companheira, sempre ao meu lado onde quer que eu caminhasse, eu a via em meus olhos, refletida em cada espelho e me acostumei com sua fria presença, depois de anos você acaba se acostumando, e como uma dádiva maldita ela me mostrou cada face, cada parte sua, cada janela e porta de seu mundo a cada monótono dia, os dias...

Dias são como sonhos perdidos, caindo no esquecimento letárgico, cada minuto fere, o último mata, amo estas palavras! Mais um dia vazio e completamente sem sentido algo se passou e então o sol se pôs e sei que ele se porá novamente amanhã, isto é tão certo como minhas súplicas. Talvez eu não esteja mais aqui para ver a noite jogar seu negro manto sobre nós e com o pálido encanto da lua, a paz voltar momentaneamente a meu cansado ser.

Se eu não estiver mais aqui para vê-la, ai talvez os sonhos ruins me abandonem para sempre... Ou talvez eu nunca mais volte a sonhar um sonho que há muito perdi, mas o que seria pior? Não sei, gostaria que houvesse uma resposta para cada pergunta que nunca tive coragem de fazer, mas infelizmente eu não as tenho e ninguém nunca terá controle algum sobre seu mais mísero Desejo... As coisas seriam melhores se tivéssemos? Apenas dúvidas hipoteticamente infundadas de minha pobre mente.

Me disseram que nenhum ser humano poderia acordar todos os dias para plantar espinhos nos jardins de sua alma... Sábias palavras! Neste momento de minha vida, percorro um labirinto de rosas mortas, caminhando entre os espinhos, neste jardim de seres mórbidos que habitam minha alma, não tenho mais forças para encontrar a saída deste imenso emaranhado de sentimentos que me invadem a todo momento e assim vou vagando, tentando viver, conviver com meus erros, medos e pecados, acompanhado apenas pela sombra do que um dia eu fui. Esta lembrança faz brotar uma lágrima em meus olhos, e que tão logo percorre o abismo de minha face. Tento me recordar de um toque e o tempo parece eterno entre o rolar de uma lágrima e a lembrança de um sorriso, e me perco neste momento... Mas a realidade é outra e ela logo se mostra.

A vida tem um senso de humor doentio e muitas vezes nos mostra uma face grotesca demais para ser refletida, um fardo demasiadamente pesado para um só homem suportar, digerir e no final, isso é tudo o que sou, defeituosa, imperfeita, apenas uma mulher em busca de respostas, respostas para as perguntas que nunca foram feitas... Estarei enlouquecendo?

Talvez eu nunca saiba. E tudo o que tenho são lembranças, recordações que se perdem a todo momento nos cantos semi-iluminados de meu quarto onde as paredes úmidas servem como confidentes de minhas eternas lamentações, meu mundo, minha prisão. Na maioria das vezes nem mesmo as paredes me confortam; e assim saio pela noite, noites perfeitamente criadas para as almas suplicantes vagarem em busca de redenção para seus crimes e pecados; é exatamente por isso que caminho sem rumo algum por elas... Redenção! Agora tenho medo... Medo daquele lugar no qual eu sempre vou para tentar esquecer, tentar apagar minha dor, lá eu escuto o silêncio, como sons vindos de um outro plano, um outro mundo profano que eu criei apenas para sentenciar-me, um plano, onde o silêncio me toma.
  (( Já não falo com mais ninguém e aquilo que ensaio repetir, não pode mais ser dito, porque lá não há ninguém e lá eu não falarei. Me sento, solitário e silenciosamente num canto escuro de minha alma, e do lado de fora, escuto um lago de luz, alguém que fala de vez em quando, pedindo-me para dividir minhas dores, mas não há mais esperança, porque não há ninguém lá... Desespero toca meu rosto, adormeço o tempo para aturar a dor, já não consigo mais ter fôlego no mundo real e assim, me refugio no Reino dos Sonhos, agarro meus medos e os diluo com lágrimas, pinto teus olhos, escrevo tuas palavras e é assim que mantenho vivas as minhas mais doces lembranças, de tempos que jamais voltarão. ))

Continua...


                                                              †Devaneio† 
 
                            E me sinto hoje forte, pois morri a vida para viver a morte† 


                                       ( Filha de Morpheu e seus Devaneios )

       

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Um conto sobre os Perpétuos pt II

                                                                                  
Um lampejo toma minha mente, e me encontro muito longe dos lugares que em outros tempos aqueceram minha alma que hoje congela no reino de Desespero, um lugar no qual fui lançada e presa pelos grilhões de erros cometidos e que me atormentam incessantemente... É ali que devo permanecer até redimir-me e enfim, ascender, libertando-me...E me pergunto: Onde estará minha força? Talvez nos olhos de um anjo que um dia passou por minha vida, tão breve como o vento frio que agora corta meu rosto, um anjo que me deu asas e me levou ao céu onde pude contemplar a beleza dos mais puros sentimentos humanos, um anjo que me mostrou a escadaria que leva ao paraíso, mas o paraíso nada mais é do que um estreito caminho para o inferno... E eu cai, neste solo patético e estranhamente sem sentido algum para mim, sem minhas asas. Quando os anjos perdem as asas eles usam farrapos para esconder sua eterna vergonha por tê-las perdido...
Quanto ao frio, eu gosto dele, me deixa mais próximo do suave toque da Morte, esta brisa gelada que envolve meu rosto abatido e desesperançoso, uma face que há muito busca por descanso... Será Delírio? - Risos insanos - Sim! Delírio! Eu o conheci de uma maneira muito estranha, entre a pena e o papígrafo, onde tentava descrever algo que eu não sabia exatamente o que era, sei que nunca fui boa com as palavras, apenas deixo-as fluírem em minha mente, com cada um dos sete ao meu lado, sussurrando-me cada letra, algumas tem gosto de Sonhos, outras cheiro de Morte, muitas vezes as palavras me vem como um Desejo, outrora como um Delírio, será meu Destino escrever estas melancólicas linhas? Ou minha Destruição? Não, apenas um momento de Desespero, como sempre ela está mais próxima.
Desejo lançou seus encantos sobre mim em uma noite sem lua, mas encontrei algo que brilhava como a própria, meus sentidos foram ofuscados por Desejo e Delírio e assim, Desespero me abandonou, deu seu lugar para o mais misterioso dos sete, e foi no reino dele, o senhor das coisas não criadas, que passei a maior parte de minha vida desde então, pois desperto não posso dizer que vivo, os meus sonhos eram confortáveis, hoje, me lamento a cada despertar, qualquer coisa é melhor do que a realidade na qual tenho passado meus dias.
Naquela noite, sobre os encantos da lua ofuscada pelas nuvens carregadas, encontrei alguém que me compreendia e isso era tudo o que sempre havia procurado, entendimento. Cada palavra, cada sentimento descrito, ele compreendia. E sonhei... Como há muito eu não fazia. Sonhei com alguém que eu não conhecia, mas que em meus sonhos me era tão familiar quanto eu mesma, ele surgiu como uma folha seca sendo levada pelo vento, e em meio a milhares de gravetos, encontrar outra folha, foi assim, sem intenção alguma; puxando-me pra fora do vale da Morte, um lugar no qual eu tentava ludibriar a companhia de Desespero, fui trazida de volta à vida que eu havia abandonado, pela primeira vez, senti medo da Morte, eu não queria morrer naquele momento... Quando despertei, eu agradeci ao Senhor dos Sonhos, Morpheus, mais conhecido como Sonhos dos Perpétuos ou simplesmente, Devaneio. ( * como é doce essa palavra "Deva"* )
Delírio mais uma vez invadiu minha vida, me trazendo um êxtase que sempre sonhei em sentir. Tempos depois, eu o conheci, que ser encantador, doce! Doce lua brilhando no céu... E assim, Desejo nos tocou, a Morte sorria ao longe e vi Desespero dando as costas a mim, achei que seria definitivamente, mas me enganei, e mais uma vez eu sonhei...
Eu podia ver meu lar, os meus filhos, e em meus sonhos eu fui feliz, como sempre quis ser... Apenas sonhos... Como costumo dizer: "Sonhos são como deuses, eles deixam de existir quando não acreditamos mais neles". Talvez os sonhos sejam uma busca pelo paraíso, incessante busca dos corações humanos... Morpheus às vezes é mais impiedoso do que sua irmã Morte.
Quanto a Delírio... Delírio é apenas uma contra-regra paradoxal, um paradigma distorcido de uma realidade decadente, pode ser boa, mas nem sempre,em um momento de fraqueza e descuido que me entreguei a ela, o Destino virou sua página e Destruição entrou em cena, tudo desmoronou, era o começo do fim, Desejo riu, havia um elemento na história, um elemento oculto que se preparava para ser revelado e ali começava a minha decadência e o primeiro dia do resto da minha inútil vida. Adormeci sentindo próximo a mim um hálito frio, vago e caótico. Eu havia sentido isso por muito tempo, era ela novamente, sussurrando carinhosamente que voltaria, que não me deixaria sozinha em meio a meus mórbidos pensares. 


†Devaneio†

 ( Filha de Morpheu e seus Devaneios )

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

UM CONTO SOBRE OS PERPÉTUOS - PARTE FINAL





No Reino dos Sonhos, eu buscava e clamava por uma resposta para o medo que afligia meu coração, mas nunca o encontrei, eu não me encontrava mais no Sonhar e sim no Vale dos Pesadelos, um lugar um tanto quanto conhecido pra mim,
 um local escuro, viscoso e fúnebre, onde eu buscava por inspiração, um lugar fétido que eu tanto temia, mas que ao mesmo tempo me atraia e ali vi meu fim, refletido em um espelho negro, fosco e tétricamente triste, o espelho feito por almas como a minha, com todas as coisas a serem ditas, ali pude ver, eu, sentada, a beira de um abismo em meio a uma planície deserta e silenciosamente... Sozinha... 
Sonho veio até mim, seus olhos eram vazios e negros como suas vestes, sua pele era pálida como a neve e eu olhava para o abismo, e nada podia ver...
 Depois de algum tempo fui descobrir que não se pode enxergar algo em sua alma quando ela é coberta por um manto de trevas.
- Por que? - Eu indaguei a ele - Por que eu?
- Você não questionaria a queda de um anjo ou a ascensão de um demônio, então por que me questiona triste sonhadora? - Ele respondeu-me
- Não é justo! - Eu disse.
- Não, não é... - Disse ele fazendo uma longa pausa - Agora criança... Desperte!
E assim foi, abri meus olhos e o sol brilhava forte, como o odeio! A luz me incomoda, barulho me incomoda, as vozes me incomodam, apenas o luar me conforta e a chuva... Delírios.
Dias angustiantes se passaram com a lua se tornando nebulosa, dentro de mim, sua luz se apagava, estava tudo ficando escuro novamente e mais uma vez, eu estava entregue a meus ridículos erros, eu tentava de todas as formas ir contra o Destino, mas era inútil, pois ele tudo sabe, e tudo vê, mesmo com seus cegos olhos, e isto era previsível. Desejo não mais estava comigo, ele havia partido, deixando apenas em mim seu toque sutil... 
Destruição passou por minha vida tão rápido como uma tempestade de verão, levando tudo o que havia de mais importante pra mim, deixando apenas escombros e Delírio também se foi.
Chegado o momento da despedida, Desejo deu o ar de sua graça uma vez mais e por um breve momento, fui feliz novamente, mas todo começo encontra seu fim, e seria ali, em meio a rostos desconhecidos e por que ali? Talvez Desespero desejasse mostrar a todos que minha alma, minha ferida alma pertencia a ele.
Eu me encontrava em meio a pessoas sorridentes, e eu podia vê-las com meus tristes olhos que marejavam diante de meus últimos momentos de felicidade e eu me perguntava: Sorrirei novamente? 
Será que um dia eu iria dar um sorriso tão verdadeiro como o que dei quando o vi pela primeira vez? E me perdi em meio a meus pensamentos... Ele se foi.
Quando dei as costas, com uma dor insuportável que tomava todos os meus sentidos, Desespero estava lá, com seu olhar vago pronta a me consolar e me mostrar uma parte sua que eu desconhecia, talvez a mais cruel, e num piscar de olhos, fui lançada no vazio infinito.
Você já teve a sensação de estar vazio? 
De não sentir mais um toque? 
De não distinguir os sonhos da realidade? 
De estar isento de qualquer tipo de sentimento ou emoção? 
E simplesmente tudo vir à tona como um vulcão em erupção?
 Confundindo sua cabeça de uma maneira absurdamente descontrolada? 
Deixei que meu corpo deslizasse pela fria parede de  um pilar, e ali chorei. Minhas lágrimas caiam com tamanha intensidade que os rostos desconhecidos esboçaram seu pesar por mim e apartir daquele momento, nada mais me confortava e daquele dia em diante, no eco de meus sonhos, eu tentava entender o oco de minha alma.
Voltei a meu lar, tudo estava sem sentido novamente, vazio, triste e sem cor, um mundo cinza e naquela mesma noite eu sonhei... 
Estava sentada a beira de um abismo, silenciosamente, sozinha...
 Nem mesmo o Senhor dos Sonhos apareceu para me fazer companhia e em meus sonhos, as lágrimas regavam o solo desértico... 
Pedi a ele um último Sonho, um Sonho com a única pessoa que se dignou a me ajudar de uma maneira tão verdadeiramente pura e que eu não fiz nada em troca para ajudá-lo, eu queria apenas reviver alguns momentos, senti-los uma vez mais e por mais uma noite, e assim, a lua brilhou novamente...
Hoje, tempos depois da reviravolta do Destino e a breve passagem de Delírio, Destruição e Desejo, meus defeitos são as únicas coisas puras que me restam, não agüento mais viver, não posso realmente suportar, pois quanto menos eu o procuro, mais eu o sinto, minto para mim mesma que ainda há esperança.
 Por que estou tentando lutar, se sou apenas condicionada a desistir?
 Deus! 
Queria não me importar mais...
E matei a minha vida para viver minha Morte, caminhando a beira do abismo silenciosa, uma paisagem caótica, feita de pedaços de sonhos, pintados com a tinta feita de meus piores tormentos. Se um dia caminhar em meu mundo certamente verá Desespero ao longe, abrindo minhas feridas com seu anel em forma de anzol, ele está comigo a cada despertar e comigo permanece até nos momentos em que rogo por sua irmã Morte que me ignora, me despreza por eu ser uma condenada tendo que pagar uma terrível penitência ao lado de sua irmão.
Às vezes sinto que estou definhando, que meus tormentos me devoram por dentro, sugam minha energia, como vermes sobre um cadáver... 
O que mais me incomoda é que está apenas começando, antes disso estava difícil, mas suportável, mas agora... 
As regras mudaram. 
Não sou eu mais quem as dita, estou à mercê do acaso, sem poder antecipar o imprevisto, eu não consigo enxergar nada alem dessa nebulosidade na qual me encontro, e mais uma vez... Desespero... Levanto meus olhos e lá está ele, oferecendo-me suas mãos "caridosas".
 E meu mundo vai desabando a todo momento, já não consigo mais conter as estruturas abaladas pelo tempo nem meus pensamentos que se perdem na utopia, se tornando uma decadência mórbida e para muitos sem sentido algum, mas ninguém faz idéia do que se passa dentro de mim, se qualquer pessoa trocasse de vida por apenas um dia comigo, ela não veria o lindo anoitecer, ninguém faz idéia do fardo que carrego em minhas costas e ninguém faz idéia das máculas que tenho em meu peito, das cicatrizes que levam consigo, histórias fúnebres, e como num cinema mudo, essas histórias são secretamente contadas em um lugar onde apenas minha alma serve como espectadora.
 E tudo se torna platônico e triste, como minha vida deve ser.
Às vezes me pergunto o por quê tenho que passar por tudo isso, por que tem que ser assim, por que eu tenho essa maldita sina de ser traída por mim mesma? 
 Por que sou tão infeliz? 
E por que cada sorriso dissimulado que dou, mata um pedaço de mim? 
E Desespero me abraça... 
Eu não tenho mais a força para abandonar este mundo, a força que eu tinha quando o brilho da lua era mais confortante, tempos que sinto uma imensa saudade e jamais voltarão.
Assim eu trilho meu estreito caminho, vago por esta terra que não me pertence, controlando tudo, menos eu, ando pelo mundo de pessoas normais do qual eu não faço parte, e antes de cada adormecer, eu olho para a lua e através dela, peço a Morpheus com o restante de força que ainda me resta, para que eu sonhe uma vez mais com o Destino que sempre almejei ter, com meu mais profundo Desejo, pois sei que somente em meus sonhos eu posso ser feliz. 
E me deito, esperando que Morpheus jogue um punhado de areia dos sonhos em meus cansados olhos, aguardando o momento em que Desespero me deixa, momento em que eu adentro em um mundo que eu construí para mim, mas que por obra do Destino, eu mesma destruí.
Em uma destas noites, Desejo veio até mim arrogante e prepotente, rindo freneticamente, rodeando-me, sedutor...
-Por que? Por que fez isso? - Disse eu com rancor.
- Porque você é um perdedora. - Ele me disse.
- Certamente, mas eu ainda estou aqui e ainda me resta um pouco de força. - Eu retruquei.
- Nada pode ser mais forte do que eu! Nada é mais forte que o Desejo!
- Você está errado. - Eu disse a ele - Você pode me fazer desejar, mas não pode arrancar de mim o que sinto...
- Besteira! - Disse-me com ar superior.
- Então faça-me parar de sentir!
Ele se silenciou...
- Eu estou certa não é? Isso é mais forte que o Desejo... E por isso fez o que fez. Se algo é mais forte do que seu maldito orgulho você simplesmente o destrói...
 Faça o mesmo comigo!
Desejo sorriu sarcasticamente me dizendo, embora sem palavra alguma, que minhas rancorosas vontades de nada adiantariam, nada iria mudar, pois ele já havia conseguido o que queria, tirar de mim tudo o que eu tinha de mais importante... E ele partiu, deixando-me com minhas súplicas desesperadas e mais uma vez, Desespero estava próximo a mim...
 
E por mais uma noite eu sonhei, caminhei pelo deserto de minhas lembranças, caçando-as como um chacal faminto, eu daria metade de minha alma para poder estar perto e vê-lo uma vez mais, mas até isso me é negado... 
E como  uma dádiva do Rei dos Sonhos, a chuva caiu, eu deixo meus lábios esboçarem um sorriso, pois a chuva me traz lembranças, Doces Lembranças... 
Um nó toma conta de minha garganta, sufocando-me, o mesmo nó em que sinto agora, e descubro que a chuva que cai no solo desértico, são as lágrimas que insisto em não derramar, mas neste breve momento em que Desespero guia minhas mãos para escrever estas tristes palavras, elas rolam por minha face, lágrimas causticantes que queimam e corroem não minha pele, mas minha alma, já não há mais o que fazer a não ser aceitar o que há mim está destinado.
 Eu gostaria de me deitar e dormir para sempre, fechar meus olhos para nunca mais abri-los, pois em meus sonhos eu o sinto, mas quando desperto, é Desespero quem me dá as boas vindas ao mundo real e é ele quem permanece a meu lado a cada minuto que se arrasta durante os longos dias...
E a cada momento me pergunto: Quando isto terá um fim?
 Quando a doce Morte virá com seu encantador sorriso? 
Quando ela me estenderá suas piedosas mãos e me dirá que tudo acabou?
 E tudo o que escuto é o silêncio. 
E aqui fico eu, nesse imenso vazio, a cada dia, esperando pelo confortante anoitecer onde por algumas horas posso deixar de lado todo esse tormento...
 E me visto em trajes negros, um luto eterno, velando pela Morte de meus sonhos, caminhando por ruas sujas, e nas ruas, vivo a esperar por você, e para sempre assim será, as ruas nessa época tem o som do vento cortante e tenho a impressão de já ter visto isso acontecer, esta pergunta sempre soa em minha mente, e vou caminhando, tendo a certeza de que nada é para sempre e que para sempre será apenas meu olhar para o horizonte de minhas virtudes distorcidas, e que minhas virtudes tem o morrer da vida que renasce todos os dias da semana... 
Como é triste o envelhecer de meus olhos ao crepúsculo de mais um entardecer, em um glorioso dia de nossas vidas que jamais voltará. Esta alma atormentada está aqui mais uma vez para pedir que você não caminhe meus passos...
 Uma escolha errada.
Mundo!
 Por que estou aqui?
 Sem respostas...
 Vejo o meu mundo se acabar a cada dia e nada posso fazer a não ser envelhecer e morrer antes que você possa ter mais um dia comigo, e assisto tudo isso, sozinha, seguindo a marcha fúnebre que leva meu coração aos resquícios de lembranças, e me encontro em lugares vazios,
 onde sepulto estas palavras no confessionário de meu peito na esperança de um dia elas brotarem e florescer uma rosa negra, que despida de todo glamour, chamará por uma última para ser levada até meu túmulo, onde estão enterrados todos os meus sonhos, e assim vou vivendo, convivendo, resistindo...
Eu só Desejo o final deste filme, só queria um lar confortável, colo de Pai, chance de imortalidade... Mas isto está longe de acontecer, lá ,muito longe, onde as belezas estão dormindo, esperando profundamente num sonho, um sonho que eu tive um dia, aguardando pelos verdadeiros sentimentos que um dia eu experimentei, e eu vejo tudo isso como uma triste sonhadora, sentado na beira de um abismo, um abismo morto na noite... 
E um pássaro solta seu canto na branca enseada da agonia, chamando por meu nome uma vez mais.
E com uma imensa angústia fecho meus olhos, me lanço nas profundezas abissais de meus medos e lá embaixo, muito abaixo de onde os violinos registram  minha vida em suas notas sufocantes, caminho nos destroços do que um dia foi meu mundo perfeito, tentando juntar vestígios de emoções que um dia eu senti e que jamais sentirei novamente, ou simplismente alguém que salve o que restou de mim e preserve esse resto como memória da pessoa feliz que um dia eu fui... Existirá neste mundo alguém que partilhe de minha dor? 
Alguém que estendesse suas consoladoras mãos quando meus joelhos se rendessem ao solo pútrido de meu tormento por não suportar o peso de meus próprios pecados?
 Alguém que entrasse em meu negro e fantasmagórico mundo e me mostrasse o caminho que há muito eu abandonei? Me tirasse de lá? Talvez fora dele eu pudesse ter meus sonhos de volta, meus verdadeiros sonhos onde a realidade que eu tive um dia voltasse a me trazer a paz que minha alma procura.
Tento encontrar algo para pensar em meio a esse frio, essa escuridão na qual me perco, onde as únicas coisas que vejo, são os braços de Desespero... 
E em seu mundo, bebo desprezo com a água que cai de uma cascata de lágrimas, escuto o lamentar das almas, almas como a minha, que são menos que nada, um aroma de rosas equivale a cem vezes mais o que sempre fui, baixo minha cabeça com pesar, sem simpatia, sem eternidade, gostaria que houvesse uma luz para cada desmerecida lágrima. 
Já não há mais como esconder o que sinto, até mesmo os mais distantes de mim podem notar minha imensa dor, eu já não sou o mesma há muito tempo, carrego meus pecados tendo o tempo contra mim o tempo todo, minhas feridas sangram a todo momento, eu gostaria de poder voltar e mudar todos esses anos, mas o que está feito, está feito, é a ordem natural das coisas, é a conspiração do Destino, e é assim que tem que ser, os caminhos foram traçados, e não há ninguém no meu... Distantes DEVAneios.
Então escrevo estas linhas, agonizantes palavras, minha confissão de amor a ninguém, amor é o que meus pecados pedem, mas mesmo assim eu os nego... 
Distrações eternas.
Às vezes acontecem coisas que ninguém pode explicar, coisas inevitáveis, tão inevitáveis como a areia se afogando no mar, apagando os passos do passado, no entanto, não importa, e no reino de Desespero, andarei lentamente e sozinha, abrindo porta a porta, até que haja resposta para o meu sofrimento.
Acendo mais um cigarro, dou um gole em minha taça de vinho, nem todo o vinho do mundo seria o suficiente para me embriagar ao ponto de apagar minha dor, está tarde, já passa da meia noite, e me pergunto: 
Que significado tem o tempo, quando não há mais razões para medi-lo? E aqui estamos nós, Desespero e eu, ele sempre esta ao meu lado, afagando meus cabelos despenteados e tocando meu rosto...
 Olho para as paredes de meu quarto, minha masmorra, minha cela, meu mundo, observo minha cama, estou cansada, mas sem sono algum, não consigo fechar meus olhos, eles ardem como se fossem feridas expostas, não sinto mais o teu hálito, mas sim o de Desespero, às vezes não quero escutar sua voz porque você sofre ao ouvir a minha, às vezes quero escutar sua voz porque ela me fazia sorrir.
Vou me deitar, e quando acordar pela manhã sendo o mesma de sempre, vou gritar para alguém que não pode me ouvir, mas antes, abrirei a janela e olharei para o céu procurando pela lua e quando a encontrar, pedirei ao Senhor dos  Sonhos para que traga-a até mim uma vez mais em seu reino-de-coisas-não-criadas e suplico a ele para que não desperte, pois sei que quando abrir meus olhos, Desespero estará me esperando.
Os Perpétuos são reais, tão reais como o fato de você estar lendo estas palavras, pois enquanto houver pessoas para morrerem, a Morte estará presente, enquanto os homens criarem coisas para serem destruídas, Destruição estará lá, enquanto o fogo da paixão e da luxúria incendiarem os corações humanos, 
Desejo e Delírio tocarão suas almas, enquanto houverem seres como eu, incapazes se serem felizes, Desespero existirá, e enquanto estas mesmas pessoas buscarem refúgio em um mundo onde podem ter tudo aquilo que não tem em vida, Sonho se fará presente, pois isso faz parte de nossas vidas, faz parte do Destino...
 Talvez você se comova com minhas palavras, ou talvez as leia como outras quaisquer, apenas mais uma sonhadora expondo sua angustia, mas, seja como for, peço a ti algo que não lhe custará muito, talvez uma pequena ferida em seu orgulho, mas que em breve irá cicatrizar, algo que demonstre que não se tornou uma criatura vã como eu e que prove a si mesmo que ainda tem compaixão ...

Peço a ti, apenas alguns segundos de teu abraço para aquecer minha alma nestas noites frias e intermináveis onde meus pensamentos me levam lentamente até onde encontra-se sua ausência, e ali, sentar-me e ser punida por meus crimes, o maior deles, ter perdido O ANJO que lançou luz em um mundo de trevas e a capacidade de amar.
             
                       Morpheu seja piedoso comigo e faça chover no deserto de minhas lembranças,
                                                      pois a chuva me traz recordações...
                                                                  Doces recordações...