No Reino dos Sonhos, eu buscava e clamava por uma
resposta para o medo que afligia meu coração, mas nunca o encontrei, eu não me
encontrava mais no Sonhar e sim no Vale dos Pesadelos, um lugar um tanto quanto
conhecido pra mim,
um local escuro, viscoso e fúnebre, onde eu buscava por
inspiração, um lugar fétido que eu tanto temia, mas que ao mesmo tempo me
atraia e ali vi meu fim, refletido em um espelho negro, fosco e tétricamente
triste, o espelho feito por almas como a minha, com todas as coisas a serem ditas,
ali pude ver, eu, sentada, a beira de um abismo em meio a uma planície deserta
e silenciosamente... Sozinha...
Sonho veio até mim, seus olhos eram vazios e
negros como suas vestes, sua pele era pálida como a neve e eu olhava para o
abismo, e nada podia ver...
Depois de algum tempo fui descobrir que não se pode
enxergar algo em sua alma quando ela é coberta por um manto de trevas.
- Por que? - Eu indaguei a ele - Por que eu?
- Você não
questionaria a queda de um anjo ou a ascensão de um demônio, então por que me
questiona triste sonhadora? - Ele respondeu-me
- Não é justo! - Eu disse.
- Não, não é...
- Disse ele fazendo uma longa pausa - Agora
criança... Desperte!
E assim foi, abri meus olhos e o sol brilhava forte,
como o odeio! A luz me incomoda, barulho me incomoda, as vozes me incomodam,
apenas o luar me conforta e a chuva... Delírios.
Dias angustiantes se passaram com a lua se tornando
nebulosa, dentro de mim, sua luz se apagava, estava tudo ficando escuro
novamente e mais uma vez, eu estava entregue a meus ridículos erros, eu tentava
de todas as formas ir contra o Destino, mas era inútil, pois ele tudo sabe, e
tudo vê, mesmo com seus cegos olhos, e isto era previsível. Desejo não mais
estava comigo, ele havia partido, deixando apenas em mim seu toque sutil...
Destruição passou por minha vida tão rápido como uma tempestade de verão,
levando tudo o que havia de mais importante pra mim, deixando apenas escombros
e Delírio também se foi.
Chegado o momento da despedida, Desejo deu o ar de sua
graça uma vez mais e por um breve momento, fui feliz novamente, mas todo começo
encontra seu fim, e seria ali, em meio a rostos desconhecidos e por que ali? Talvez Desespero desejasse mostrar a todos que minha alma, minha ferida alma
pertencia a ele.
Eu me encontrava em meio a pessoas sorridentes, e eu
podia vê-las com meus tristes olhos que marejavam diante de meus últimos
momentos de felicidade e eu me perguntava: Sorrirei novamente?
Será que um dia
eu iria dar um sorriso tão verdadeiro como o que dei quando o vi pela primeira
vez? E me perdi em meio a meus pensamentos... Ele se foi.
Quando dei as costas, com uma dor insuportável que
tomava todos os meus sentidos, Desespero estava lá, com seu olhar vago pronta a
me consolar e me mostrar uma parte sua que eu desconhecia, talvez a mais cruel,
e num piscar de olhos, fui lançada no vazio infinito.
Você já teve a sensação de estar vazio?
De não sentir
mais um toque?
De não distinguir os sonhos da realidade?
De estar isento de
qualquer tipo de sentimento ou emoção?
E simplesmente tudo vir à tona como um
vulcão em erupção?
Confundindo sua cabeça de uma maneira absurdamente
descontrolada?
Deixei que meu corpo deslizasse pela fria parede de um pilar, e ali chorei. Minhas lágrimas caiam
com tamanha intensidade que os rostos desconhecidos esboçaram seu pesar por mim
e apartir daquele momento, nada mais me confortava e daquele dia em diante, no
eco de meus sonhos, eu tentava entender o oco de minha alma.
Voltei a meu lar, tudo estava sem sentido novamente,
vazio, triste e sem cor, um mundo cinza e naquela mesma noite eu sonhei...
Estava sentada a beira de um abismo, silenciosamente, sozinha...
Nem mesmo o
Senhor dos Sonhos apareceu para me fazer companhia e em meus sonhos, as
lágrimas regavam o solo desértico...
Pedi a ele um último Sonho, um Sonho com a
única pessoa que se dignou a me ajudar de uma maneira tão verdadeiramente pura
e que eu não fiz nada em troca para ajudá-lo, eu queria apenas reviver alguns
momentos, senti-los uma vez mais e por mais uma noite, e assim, a lua brilhou
novamente...
Hoje, tempos depois da reviravolta do Destino e a
breve passagem de Delírio, Destruição e Desejo, meus defeitos são as únicas
coisas puras que me restam, não agüento mais viver, não posso realmente
suportar, pois quanto menos eu o procuro, mais eu o sinto, minto para mim mesma
que ainda há esperança.
Por que estou tentando lutar, se sou apenas
condicionada a desistir?
Deus!
Queria não me importar mais...
E matei a minha vida para viver minha Morte,
caminhando a beira do abismo silenciosa, uma paisagem caótica, feita de pedaços
de sonhos, pintados com a tinta feita de meus piores tormentos. Se um dia
caminhar em meu mundo certamente verá Desespero ao longe, abrindo minhas
feridas com seu anel em forma de anzol, ele está comigo a cada despertar e
comigo permanece até nos momentos em que rogo por sua irmã Morte que me ignora,
me despreza por eu ser uma condenada tendo que pagar uma terrível penitência ao
lado de sua irmão.
Às vezes sinto que estou definhando, que meus
tormentos me devoram por dentro, sugam minha energia, como vermes sobre um
cadáver...
O que mais me incomoda é que está apenas começando, antes disso
estava difícil, mas suportável, mas agora...
As regras mudaram.
Não sou eu mais
quem as dita, estou à mercê do acaso, sem poder antecipar o imprevisto, eu não
consigo enxergar nada alem dessa nebulosidade na qual me encontro, e mais uma
vez... Desespero... Levanto meus olhos e lá está ele, oferecendo-me suas mãos
"caridosas".
E meu mundo vai desabando a todo momento, já não consigo
mais conter as estruturas abaladas pelo tempo nem meus pensamentos que se
perdem na utopia, se tornando uma decadência mórbida e para muitos sem sentido
algum, mas ninguém faz idéia do que se passa dentro de mim, se qualquer pessoa
trocasse de vida por apenas um dia comigo, ela não veria o lindo anoitecer,
ninguém faz idéia do fardo que carrego em minhas costas e ninguém faz idéia das
máculas que tenho em meu peito, das cicatrizes que levam consigo, histórias
fúnebres, e como num cinema mudo, essas histórias são secretamente contadas em
um lugar onde apenas minha alma serve como espectadora.
E tudo se torna
platônico e triste, como minha vida deve ser.
Às vezes me pergunto o por quê tenho que passar por
tudo isso, por que tem que ser assim, por que eu tenho essa maldita sina de ser
traída por mim mesma?
Por que sou tão
infeliz?
E por que cada sorriso dissimulado que dou, mata um pedaço de mim?
E
Desespero me abraça...
Eu não tenho mais a força para abandonar este mundo, a
força que eu tinha quando o brilho da lua era mais confortante, tempos que
sinto uma imensa saudade e jamais voltarão.
Assim eu trilho meu estreito caminho, vago por esta
terra que não me pertence, controlando tudo, menos eu, ando pelo mundo de
pessoas normais do qual eu não faço parte, e antes de cada adormecer, eu olho
para a lua e através dela, peço a Morpheus com o restante de força que ainda me
resta, para que eu sonhe uma vez mais com o Destino que sempre almejei ter, com
meu mais profundo Desejo, pois sei que somente em meus sonhos eu posso ser
feliz.
E me deito, esperando que Morpheus jogue um punhado de areia dos sonhos
em meus cansados olhos, aguardando o momento em que Desespero me deixa, momento
em que eu adentro em um mundo que eu construí para mim, mas que por obra do
Destino, eu mesma destruí.
Em uma destas noites, Desejo veio até mim arrogante e
prepotente, rindo freneticamente, rodeando-me, sedutor...
-Por que? Por que fez isso? - Disse eu com rancor.
- Porque você é um perdedora. - Ele me disse.
- Certamente, mas eu ainda estou aqui e ainda me resta
um pouco de força. - Eu retruquei.
- Nada pode ser mais forte do que eu! Nada é mais
forte que o Desejo!
- Você está errado. - Eu disse a ele - Você pode me
fazer desejar, mas não pode arrancar de mim o que sinto...
- Besteira! - Disse-me com ar superior.
- Então faça-me parar de sentir!
Ele se silenciou...
- Eu estou certa não é? Isso é mais forte que o
Desejo... E por isso fez o que fez. Se algo é mais forte do que seu maldito
orgulho você simplesmente o destrói...
Faça o mesmo comigo!
Desejo sorriu sarcasticamente me dizendo, embora sem
palavra alguma, que minhas rancorosas vontades de nada adiantariam, nada iria
mudar, pois ele já havia conseguido o que queria, tirar de mim tudo o que eu
tinha de mais importante... E ele partiu, deixando-me com minhas súplicas
desesperadas e mais uma vez, Desespero estava próximo a mim...
E por mais uma noite eu sonhei, caminhei pelo deserto
de minhas lembranças, caçando-as como um chacal faminto, eu daria metade de
minha alma para poder estar perto e vê-lo uma vez mais, mas até isso me é
negado...
E como uma dádiva do Rei dos
Sonhos, a chuva caiu, eu deixo meus lábios esboçarem um sorriso, pois a chuva
me traz lembranças, Doces Lembranças...
Um nó toma conta de minha garganta,
sufocando-me, o mesmo nó em que sinto agora, e descubro que a chuva que cai no
solo desértico, são as lágrimas que insisto em não derramar, mas neste breve
momento em que Desespero guia minhas mãos para escrever estas tristes palavras,
elas rolam por minha face, lágrimas causticantes que queimam e corroem não
minha pele, mas minha alma, já não há mais o que fazer a não ser aceitar o que
há mim está destinado.
Eu gostaria de me deitar e dormir para sempre, fechar
meus olhos para nunca mais abri-los, pois em meus sonhos eu o sinto, mas quando
desperto, é Desespero quem me dá as boas vindas ao mundo real e é ele quem
permanece a meu lado a cada minuto que se arrasta durante os longos dias...
E a cada momento me pergunto: Quando isto terá um fim?
Quando a doce Morte virá com seu encantador sorriso?
Quando ela me estenderá
suas piedosas mãos e me dirá que tudo acabou?
E tudo o que escuto é o silêncio.
E aqui fico eu, nesse imenso vazio, a cada dia, esperando pelo confortante
anoitecer onde por algumas horas posso deixar de lado todo esse tormento...
E
me visto em trajes negros, um luto eterno, velando pela Morte de meus sonhos,
caminhando por ruas sujas, e nas ruas, vivo a esperar por você, e para sempre
assim será, as ruas nessa época tem o som do vento cortante e tenho a impressão
de já ter visto isso acontecer, esta pergunta sempre soa em minha mente, e vou
caminhando, tendo a certeza de que nada é para sempre e que para sempre será
apenas meu olhar para o horizonte de minhas virtudes distorcidas, e que minhas
virtudes tem o morrer da vida que renasce todos os dias da semana...
Como é
triste o envelhecer de meus olhos ao crepúsculo de mais um entardecer, em um
glorioso dia de nossas vidas que jamais voltará. Esta alma atormentada está
aqui mais uma vez para pedir que você não caminhe meus passos...
Uma escolha
errada.
Mundo!
Por que estou aqui?
Sem respostas...
Vejo o meu
mundo se acabar a cada dia e nada posso fazer a não ser envelhecer e morrer
antes que você possa ter mais um dia comigo, e assisto tudo isso, sozinha,
seguindo a marcha fúnebre que leva meu coração aos resquícios de lembranças, e
me encontro em lugares vazios,
onde sepulto estas palavras no confessionário de
meu peito na esperança de um dia elas brotarem e florescer uma rosa negra, que
despida de todo glamour, chamará por uma última para ser levada até meu
túmulo, onde estão enterrados todos os meus sonhos, e assim vou vivendo,
convivendo, resistindo...
Eu só Desejo o final deste filme, só queria um lar
confortável, colo de Pai, chance de imortalidade... Mas isto está longe de
acontecer, lá ,muito longe, onde as belezas estão dormindo, esperando
profundamente num sonho, um sonho que eu tive um dia, aguardando pelos
verdadeiros sentimentos que um dia eu experimentei, e eu vejo tudo isso como uma
triste sonhadora, sentado na beira de um abismo, um abismo morto na noite...
E
um pássaro solta seu canto na branca enseada da agonia, chamando por meu nome
uma vez mais.
E com uma imensa angústia fecho meus olhos, me lanço
nas profundezas abissais de meus medos e lá embaixo, muito abaixo de onde os
violinos registram minha vida em suas
notas sufocantes, caminho nos destroços do que um dia foi meu mundo perfeito,
tentando juntar vestígios de emoções que um dia eu senti e que jamais sentirei
novamente, ou simplismente alguém que salve o que restou de mim e
preserve esse resto como memória da pessoa feliz que um dia eu fui... Existirá
neste mundo alguém que partilhe de minha dor?
Alguém que estendesse suas
consoladoras mãos quando meus joelhos se rendessem ao solo pútrido de meu
tormento por não suportar o peso de meus próprios pecados?
Alguém que entrasse
em meu negro e fantasmagórico mundo e me mostrasse o caminho que há muito eu
abandonei? Me tirasse de lá? Talvez fora dele eu pudesse ter meus sonhos de
volta, meus verdadeiros sonhos onde a realidade que eu tive um dia voltasse a
me trazer a paz que minha alma procura.
Tento encontrar algo para pensar em meio a esse frio,
essa escuridão na qual me perco, onde as únicas coisas que vejo, são os braços
de Desespero...
E em seu mundo, bebo desprezo com a água que cai de uma cascata
de lágrimas, escuto o lamentar das almas, almas como a minha, que são menos que
nada, um aroma de rosas equivale a cem vezes mais o que sempre fui, baixo minha
cabeça com pesar, sem simpatia, sem eternidade, gostaria que houvesse uma luz
para cada desmerecida lágrima.
Já não há mais como esconder o que sinto, até
mesmo os mais distantes de mim podem notar minha imensa dor, eu já não sou o
mesma há muito tempo, carrego meus pecados tendo o tempo contra mim o tempo
todo, minhas feridas sangram a todo momento, eu gostaria de poder voltar e
mudar todos esses anos, mas o que está feito, está feito, é a ordem natural das
coisas, é a conspiração do Destino, e é assim que tem que ser, os caminhos
foram traçados, e não há ninguém no meu... Distantes DEVAneios.
Então escrevo estas linhas, agonizantes palavras, minha
confissão de amor a ninguém, amor é o que meus pecados pedem, mas mesmo assim
eu os nego...
Distrações eternas.
Às vezes acontecem coisas que ninguém pode explicar,
coisas inevitáveis, tão inevitáveis como a areia se afogando no mar, apagando
os passos do passado, no entanto, não importa, e no reino de Desespero, andarei
lentamente e sozinha, abrindo porta a porta, até que haja resposta para o meu
sofrimento.
Acendo mais um cigarro, dou um gole em minha taça de
vinho, nem todo o vinho do mundo seria o suficiente para me embriagar ao
ponto de apagar minha dor, está tarde, já passa da meia noite, e me pergunto:
Que significado tem o tempo, quando não há mais razões para medi-lo? E aqui
estamos nós, Desespero e eu, ele sempre esta ao meu lado, afagando meus cabelos
despenteados e tocando meu rosto...
Olho para as paredes de meu quarto,
minha masmorra, minha cela, meu mundo, observo minha cama, estou cansada, mas
sem sono algum, não consigo fechar meus olhos, eles ardem como se fossem
feridas expostas, não sinto mais o teu hálito, mas sim o de Desespero, às vezes
não quero escutar sua voz porque você sofre ao ouvir a minha, às vezes quero
escutar sua voz porque ela me fazia sorrir.
Vou me deitar, e quando acordar pela manhã sendo o
mesma de sempre, vou gritar para alguém que não pode me ouvir, mas antes,
abrirei a janela e olharei para o céu procurando pela lua e quando a encontrar,
pedirei ao Senhor dos Sonhos para que
traga-a até mim uma vez mais em seu reino-de-coisas-não-criadas e suplico a ele
para que não desperte, pois sei que quando abrir meus olhos, Desespero estará
me esperando.
Os Perpétuos são reais, tão reais como o fato de você
estar lendo estas palavras, pois enquanto houver pessoas para morrerem, a Morte
estará presente, enquanto os homens criarem coisas para serem destruídas,
Destruição estará lá, enquanto o fogo da paixão e da luxúria incendiarem os
corações humanos,
Desejo e Delírio tocarão suas almas, enquanto houverem seres
como eu, incapazes se serem felizes, Desespero existirá, e enquanto estas
mesmas pessoas buscarem refúgio em um mundo onde podem ter tudo aquilo que não
tem em vida, Sonho se fará presente, pois isso faz parte de nossas vidas, faz
parte do Destino...
Talvez você se comova com minhas palavras, ou talvez as leia
como outras quaisquer, apenas mais uma sonhadora expondo sua angustia, mas, seja
como for, peço a ti algo que não lhe custará muito, talvez uma pequena ferida
em seu orgulho, mas que em breve irá cicatrizar, algo que demonstre que não se
tornou uma criatura vã como eu e que prove a si mesmo que ainda tem compaixão ...
Peço a ti, apenas alguns segundos de teu
abraço para aquecer minha alma nestas noites frias e intermináveis onde meus
pensamentos me levam lentamente até onde encontra-se sua ausência, e ali,
sentar-me e ser punida por meus crimes, o maior deles, ter perdido O ANJO que
lançou luz em um mundo de trevas e a capacidade de amar.
Morpheu seja piedoso comigo e faça chover no deserto de minhas lembranças,
pois a chuva me traz recordações...
Doces recordações...